terça-feira, 14 de abril de 2009

Por que Picasso é "Picasso"?

Todas as vezes que publico ou comento algo sobre Pablo Picasso, sou sempre questionado a respeito da extrema valorização das obras do mais famoso pintor espanhol e quiça, do mundo. Talvez, se considerarmos que o preço de um bem está diretamente ligado à oferta e procura, a enorme fama já justifica boa parte das altas cifras alcançadas por seus quadros. Mas e esta fama, se justifica? Bem, falar de Picasso não é tão simples assim e não seria numa simples postagem que conseguiríamos esgotar o assunto. De qualquer maneira, poderemos quem sabe, fazer algumas considerações que permitam ao leitor pensar, considerar, pesquisar e acumular algum conhecimento sobre este artista, que se tornou o maior ícone das artes plásticas mundial do século XX, e que pelo jeito, mesmo tendo morrido em 1973, continua assombrando muita gente.


Pablo Ruiz Picasso, nasceu em Málaga, Espanha, em 1881, e seu talento artístico aflorou desde a mais tenra idade. Tendo chegado a Paris no final do sec.XIX, sua genialidade foi logo descoberta por marchands como Ambroise Vollard e principalmente Daniel Kahnweiler, o que por si já poderia explicar parte de seu grande sucesso. A verdade é que Picasso produziu intensamente por praticamente oito décadas, com uma criatividade à flor da pele e sendo o nome de vanguarda que participou da introdução de novas linguagens plásticas no começo do sec.XX, como o cubismo, o expressionismo e o surrealismo, trabalhando de maneira única nos mais variados suportes e técnicas, superando sempre as expectativas do mercado e da crítica, com um temperamento forte, carregando contrastes que levavam as pessoas a admirá-lo e a odiá-lo com a mesma intensidade. Que pudessem lá dizer suas várias mulheres, muitas das quais levou da paixão à quase loucura. Talvez tudo isso devido a um gênio indomável e insaciável, o qual ele mesmo Picasso, não conseguia explicar. Ele possuiu todas as características de um artista genial: uma criatividade aparentemente inesgotável, uma habilidade e domínio da técnica do desenho e da pintura inerente aos grandes mestres e um enorme fôlego e disponibilidade para o trabalho.

Da minha parte, costumo analisar a obra de um artista pela estrutura do seu trabalho. O resultado do estudo da obra de Picasso é simplesmente fantástico, principalmente se nos atermos aos seus mais de cento e setenta cadernos de desenhos e anotações. Desde o final do sec.XIX que Picasso estudava criteriosamente suas obras, a custa de muitos esboços e desenhos preliminares, que mostram que o artista dominava por completo todo o processo produtivo. Nos seus cadernos de desenhos caminham juntos habilidade, sensibilidade e criatividade, sendo eles na verdade o verdadeiro Picasso. Ele mesmo dizia que sua pintura era mais forte do que ele, o pintor, sendo que muitas vezes, segundo suas palavras, colocava sobre a tela o que ela, a pintura, desejava.

Picasso desenhou, pintou, gravou, esculpiu e executou cerâmicas das mais variadas formas. Sua obra é imensa e ainda parece inesgotável. A cada vez que a estudamos, algo novo aparece, um novo detalhe, um novo relacionamento, uma nova técnica ou mesmo forma de ver o mundo. Quando falamos em Picasso, parece que a vida dele continua.

Se analisarmos, por exemplo, o quadro acima, Família de Saltimbancos, executado em 1905, em pleno período rosa, transição entre a primeira fase do pintor, a fase de juventude também denominada fase azul e a fase cubista/abstrata, percebemos o nível de elaboração que Picasso buscou. Estudos de raios-X realizados na década de 80, mostraram que este quadro passou por três fases de execução distintas, até que o artista chegasse naquilo que considerou o ideal. Foram inúmeros os desenhos e esboços para este quadro, sendo que até gravuras em ponta seca com as posições dos personagens foram realizadas. É uma obra de grandes dimensões e que deve ter custado muito caro a Picasso realizá-la, mesmo no período da vida em que passou por grandes dificuldades financeiras. Mas o gênio e o seu temperamento inquieto, não permitiram que ele sossegasse enquanto não atingisse o ideal por ele, de alguma forma, imaginado. Perceba que os personagens não se entreolham, parecem que estão isolados no mundo. Talvez fosse como ele Picasso, se sentia na época.
Já na obra acima, Les Demoiselles d'Avignon, de 1907, o seu caderno de desenho de no. 42, mostra que Picasso estudou não só a estrutura da obra mas também cada personagem detalhadamente e sem dúvida à exaustão, se é que ele se cansava do que fazia. Ele sabia e sentia que pela vanguarda que a obra representaria, algo geométrica, algo já cubista, e sem dúvida exótica, deveria realizá-la com o máximo de esmero. Essa talvez seja a obra de Picasso mais conhecida no mundo, ao lado obviamente de Guernica.

Por último, acho que vale a pena comentar sobre a obra acima, O Rapto das Sabinas, a qual Picasso executou mediante um convite do pintor Edouard Pignon, para participar do Salão de Maio de Paris de 1963. Inspirado nas obras de Poussin e David, Picasso realizou inúmeros desenhos, esboços, telas preliminares, estudos e mais estudos para que conseguisse a síntese do que imaginava e sentia: completo horror e aversão à guerra e a quaisquer outras formas de violência contra a humanidade que tanto o deprimiram e aborreceram ao longo de sua vida. Abaixo, vemos a versão imediatamente anterior ao quadro final, que nos permite perceber um pouco a evolução do trabalho, com vistas a obter aquilo que ele considerava o ideal.



Como havia dito antes, estas poucas linhas servem apenas para que o leitor pense, reflita e busque novas informações sobre Picasso, de forma a obter um juízo sobre sua obra, sua genialidade e seu legado. Ele influenciou toda uma geração de artistas ao redor do mundo, entre suas várias formas de expressão criou um estilo inconfundível e uma obra tão vasta cujo estudo ainda está longe de chegar ao fim. Difícil é também encontrar alguém que não gostaria de ter uma obra sua, mesmo a mais simples que fosse, pendurada em sua parede. Por mais incrível que possa parecer, Picasso ainda vive.

Leilão de Abril de Soraia Cals e Evandro Carneiro

Vai começar a temporada dos melhores leilões de arte do Brasil. Nos próximos dias 28 e 29 de Abril, no Atlantic Business Center do Rio de Janeiro, ocorrerá o leilão de arte de Soraia Cals e Evandro Carneiro, dois dos principais promotores de eventos de arte no Brasil, famosos inclusive pelos belíssimos livros/catálogos que editam. Soraia e Evandro são reconhecidamente exigentes na seleção das peças e, a exemplo do que está ocorrendo lá fora, onde qualidade se sobrepõe à quantidade, o próximo leilão tem tudo para ser dos melhores. A obra mostrada na capa do convite, reproduzido abaixo, já dá uma mostra. Trata-se de um Milton Dacosta, Figura, da década de 50, fase áurea do artista, reproduzido em livro e tudo o mais, que deve aguçar o apetite de muitos colecionadores.


Outra sensação do leilão será o óleo de Cândido Portinari reproduzido abaixo, Família, datado de 1939, que já foi exposto no exterior e está reproduzido no catálogo raisonné do artista. É uma peça que vai fazer brilhar os olhos de muitos amantes da boa pintura, principalmente por não ser muito fácil de se encontrar obra de Portinari desta fase e desta qualidade hoje em dia no mercado.


Além dessas grandes oportunidades, o leilão está recheado de obras dos maiores nomes das artes plásticas do Brasil, desde acadêmicos e modernos aos contemporâneos. Para maiores informações, o interessado em participar do leilão poderá fazer contato pelos endereços eletrônicos contato@soraiacals.com.br e contato@evandrocarneiroleiloes.com . Não devemos esquecer que arte de primeira linha é resseguro de crise. Com isso, neste próximo leilão, teremos obras importantes e que serão sem dúvida, além de deleite para os olhos e elevação para o espírito, um grande investimento. Vale a pena conferir e participar.

domingo, 12 de abril de 2009

Sotheby's New York - Arte Impressionista e moderna II

Com relação aos leilões da Sotheby's de Nova York do próximo mês de maio, seria interessante fazer também algumas observações sobre a venda do dia 6, a chamada "Day Sale", que abrange, por assim dizer, as obras "mais acessíveis". Em grande parte são obras executadas sobre papel ou pequenos óleos e esculturas de menor expressão, executados por mestres da envergadura de Pablo Picasso, Renoir, Caillebote, André Lhote, Marquet, Vuillard e Matisse entre muitos outros. A peça de maior estimativa é o óleo "Le téléphone II", reproduzido abaixo, de Tamara de Lempicka, artista polonesa pertencente à Escola de Paris, que estudou com Leger e Lhote, com valor estimado entre US$ 800 - 1.200 mil.


Outra peça interessante é a paisagem de Henri Matisse, entitulada "Le Rivage - Étretat", reproduzida abaixo, pintada em 1920, um tanto distante do fauvismo que marcou a fase mais famosa do artista mas que transpira um modernismo que lembra algo de Marquet, seu colega de movimento, e que vai a pregão com estimativa entre US$ 500 - 700 mil.

A comparação com Albert Marquet pode ser feita pela obra também reproduzida abaixo, "SORTIE DE LA PORTE DE CHAUME (LES SABLES-D'OLONNE)", de autoria do mestre de Bordeaux, que vai a leilão logo em seguida no mesmo dia, mas com uma estimativa bem abaixo da paisagem de Matisse, de "apenas" US$ 80 - 120 mil.

O que nitidamente se percebe é que mesmo no núcleo de obras mais baratas, o rigor na seleção com preferência por obras de maior qualidade é a ordem do dia. É provável que começaremos a ver de novo circular no mercado obras que estão "sumidas" há um bom tempo. Bom para os colecionadores e bom para todos que gostam de admirar a boa arte. E essa tendência deve chegar, com certo atraso, ao Brasil também. É esperar para ver.

sábado, 11 de abril de 2009

Sotheby's New York - Arte Impressionista e moderna

Nos próximos dias 5 e 6 de maio de 2009, acontecerá mais um leilão de arte impressionista e moderna na Sotheby's, desta vez em Nova York. Sabemos que nas últimas vendas, os compradores vieram atrás de qualidade, e isso é o que não falta neste próximo evento. Uma das atrações é o quadro de Pablo Picasso de 1938 reproduzido abaixo, cujo título traduzido é " Filha do artista com dois anos e meio com um barco", cuja estimativa está entre US$ 16 - 24 milhões. "Uma pechincha!" Apesar de não assinada e apenas datada, é uma obra importante do artista e está reproduzida em uma série de livros, além de já ter sido exposta pelo mundo inteiro.


Outra sensação da noite será a escultura de Alberto Giacometti "Le Chat", que também possui estimativa de US$ 16-24 milhões. A venda possui uma seleção de obras notáveis de artistas impressionistas como Alfred Sysley, Claude Monet, Camille Pissarro e Pierre-Auguste Renoir, cuja obra reproduzida abaixo"Claude Monet et Mme. Henriot" tem estimativa de US$ 1,5 a 2 milhões.

Contando ainda com obras de artistas modernos como Piet Mondrian, Jean Arp, Ben Nicholson, Archipenko e da polonesa Tamara de Lempicka entre outros, o leilão tem tudo para ser um grande sucesso e afugentar a crise que ronda os mercados. Vamos aguardar para ver.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Giovanni Battista Castagneto

Giambattista, João Batista ou Giovanni Battista Castagneto, nasceu em Gênova, cidade portuária da Itália em 27 de Novembro de 1851, e chegou ao Brasil em 1874 junto com o pai, Lorenzo, em 1874. O jovem Castagneto trazia o mar no sangue. Filho de marinheiro, nascido nos arredores de um dos principais portos da Itália, de onde sairam a maior parte dos imigrantes italianos que aqui aportaram, é perfeitamente compreensível que quando chegou ao Rio de Janeiro, enebriado pela exuberante paisagem marítima daquela que era uma das mais bonitas baías do mundo, quisesse retratá-la da melhor maneira possível.

Dessa forma em 1877 matriculou-se na Academia Imperial de Belas Artes, onde além de gozar da amizade de diversos artistas da época como Antonio Parreiras e Garcia Y Vásquez, teve a oportunidade de estudar com nomes da envergadura de Zeferino da Costa, Vitor Meireles e Georg Grimm. Começa a expor em 1879 na Academia, sendo seu talento premiado desde então, nas variadas modalidades como pintura histórica e principalmente nas paisagens. Em 1882 passa a lecionar desenho elementar no Liceu de Artes e Ofícios, levado por Vitor Meireles que lá organizara um curso profissional. Expôs constantemente no Rio de Janeiro até 1890, quando embarca para a Europa, com o objetivo de aprimorar sua pintura. Pinta principalmente na França, de onde retorna em 1893 com uma série de quadros magníficos, de um vigor e coloridos excepcionais. A obra reproduzida abaixo, O Forte de Toulon, é um exemplo desta fase.



fonte da imagem: Bolsa de Arte do Rio de Janeiro

Castagneto possuía uma personalidade forte, de muitos contrastes, e sua pintura foi uma testemunha disso. Sua pincelada sempre precisa e segura, alternou pelo nervosismo e pela calma, pela rudeza e pela suavidade. De qualquer forma, suas marinhas passaram a ser admiradas e disputadas pelos colecionadores, tendo inclusive exposto algumas vezes em São Paulo, onde obteve sucesso de público e crítica, sempre vendendo a maioria das obras oferecidas. Em 1898, já enfraquecido por doença, passou a morar em Paquetá, no Rio de Janeiro, onde produziu uma vasta série de marinhas, na maior parte em pequenos pedaços de madeira, os quais entendemos eram seus suportes preferidos, principalmente pelo baixo custo. Em 1900, com o agravamento de sua doença, principalmente pelo alcoolismo, vem a falecer em uma casa de saúde do Rio de Janeiro a 29 de Dezembro, praticamente esquecido. Ao final de sua vida, em 1900, Castagneto profetizava a seu amigo Artur Azevedo que seus quadros " serão pagos a peso de ouro quando dentro do Brasil comercial e político, surgir, daqui a muitos anos, o Brasil artístico." E não foi diferente.

O crítico e historiador de arte Carlos Roberto Maciel Levy, está preparando um banco de dados sobre Castagneto, com vistas à catalogação da extensa obra do artista.

terça-feira, 31 de março de 2009

John Graz - Um artista extraordinário

Por fim, já que falamos de Antonio e Regina Gomide, somos compelidos a escrever um pouco sobre o último artista da Família Graz - Gomide: John Graz. Nascido em 12 de Abril de 1891 em Genebra- Suiça, John Louis Graz, ou simplesmente John Graz como assinava suas obras, entrou na Academia de Belas Artes por volta de 1908, onde estudou com Guilliard, Vernet e Edouard Ravel, mestres que além de sólidos conhecimentos de desenho e pintura, lhe transmitiram um ecletismo que John reproduziu em obras das mais variadas espécies ao longo de sua extensa vida criativa. Dono de um desenho sólido e solto, John Graz produziu pinturas, desenhos, esculturas, cerâmicas, vitrais, jóias e também peças de mobiliário de uma leveza surpreendente, onde as curvas e os ângulos de seu desenho estão sempre presentes.



A obra acima, Pescador, é um típico desenho de John Graz. Percebam a sinuosidade das curvas da figura dando a noção de movimento. John Graz, foi um dos pintores participantes da Semana de Arte Moderna de 1922, juntamente com Regina sua esposa, Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Zina Aita e outros. Em 1970, A Fundação Armando Álvares Penteado organizou uma exposição retrospectiva de seu trabalho e em 1976 o Museu Lasar Segall na mostra "Família Graz-Gomide", expôs um bom número de suas obras.

Felizmente, a extensa produção de John Graz está sendo catalogada pelo Instituto John Graz, encabeçado pela Sra. Annie Graz, segunda esposa de John após este ter ficado viúvo de Regina Gomide em 1973, e as informações sobre certificação e catalogação podem ser obtidas no site www.institutojohngraz.org.br . Com certeza, este é um artista do qual ainda vamos ouvir falar muito no futuro.

Regina Gomide Graz - Uma Modernista

Na última postagem, comentei sobre Antonio Gomide, e com isso, faz-se necessário comentar também sobre sua irmã, Regina Gomide Graz. Nascida em Itapetininga - SP em 1897, Regina, como seu irmão, estudou artes decorativas na Escola de Belas Artes da cidade de Genebra, Suiça, onde morou de 1913 a 1920. Foi lá inclusive que Regina conheceu seu futuro marido, John Graz, e com o qual participou da tão famosa Semana de Arte Moderna de 1922 em São Paulo.

Regina se especializou em artes decorativas e seus trabalhos se concentraram nas tapeçarias e almofadas, itens indispensáveis na decoração estilo Art-Deco, do qual junto com seu marido e o próprio irmão, foi uma das precursoras na utilização no Brasil, sendo que alguns autores reputam a ela a introdução do artesanato no país. Regina montou inclusive uma pequena indústria de tapetes artesanais em São Paulo, na dec. de 50. Abaixo temos a reprodução de uma almofada de autoria de Regina Gomide, pertencente à coleção de Benjamin Steiner, que ilustra muito bem o trabalho realizado por ela nas décadas de 20 e 30.


Hoje no mercado, são raríssimos os trabalhos de Regina Gomide Graz, até mesmo pela friabilidade dos materiais utilizados, o que lamentavelmente pode ter gerado o desaparecimento de um importante acervo desta grande artista, que além da Semana de Arte Moderna, participou também do I Salão Paulista de Belas Artes e da coletiva Contribuição da Mulher às Artes Plásticas do País, promovida pelo MAM SP em 1961. Em 1976, o Museu Lasar Segall abrigou a exposição "A Família Graz-Gomide, O Art-Deco no Brasil", na qual várias obras de Regina foram mostradas. Existem referências suas no livro de autoria de Rita Cáurio - Artêxtil - Viagem pelo Mundo da Tapeçaria. O MAB FAAP possui em seu acervo vários esboços de tapetes realizados por Regina Gomide Graz, base e mostruário para as peças que confeccionava sob encomenda. A partir de agora, quando entrarem em uma casa antiga, decorada em estilo Art-Deco principalmente em São Paulo, tomem cuidado onde pisam.