quarta-feira, 25 de março de 2009

10 anos sem Inimá de Paula

Em agosto de 1999, morria em Belo Horizonte o grande artista plástico Inimá de Paula(foto acima), mineiro de Itanhomi, que correu o Brasil e o mundo, mas nunca resistiu à distância de sua terra natal. Dono de um desenho vigoroso e preciso, Inimá com poucos traços trazia para o papel qualquer motivo que lhe encantasse: um retrato, uma paisagem, uma baiana ou outro tema cujo interesse despertasse. A figura reproduzida abaixo é um típico exemplo de um desenho simples e solto de Inimá.



Na pintura, como a paisagem " Tarde de Sol" reproduzida abaixo, criou com suas cores fortes mas equilibradas, um estilo inconfundível, de um expressionismo inquestionável, quase "fauve", fruto talvez de seu aprendizado com André Lhote, na Paris que também frequentou. Pintou pelo Ceará, pela Bahia, Goiás, Espírito Santo e Rio de Janeiro.


Suas paisagens são poesias de intensa cor que registraram locais, muitos dos quais hoje em dia só resta a vaga lembrança de que por alí, uma vez, passou um pintor. Passou pela abstração sem nunca ter deixado a figuração. Afinal, como ele, Inimá, iria deixar de registrar as suas Minas Gerais que tanto amou e que cuja gente e paisagens mais admirou? Foi amigo de Aldemir Martins, Antonio Bandeira, Iberê Camargo, Takaoka, Emeric Marcier, Carlos Bracher entre tantos outros, parte de um seleto grupo de amigos artistas, com os quais trocou ricas experiências no campo da pintura e do desenho, além de com eles também expor em inúmeras mostras no Brasil e no exterior, entre as quais as I e V Bienal de São Paulo e o Salão Nacional de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
Sua obra está sendo catalogada pela fundação que leva seu nome, sendo que dois volumes do catálogo raisonné já foram editados. Um esforço digno pela envergadura do artista, que o merece plenamente, e cujos resultados podem também ser consultados no site www.inima.org.br . Saliente-se também a criação do Museu Inimá de Paula, sede da fundação, que traz em seu acervo não só obras de Inimá mas também objetos pessoais e muito da história deste excelente artista mineiro, que por si já significa deste grande brasileiro.

terça-feira, 24 de março de 2009

120 anos do nascimento de Anita Malfatti

.......................Anita Malfatti 1889 - 1964 ..............................

Este ano, em novembro, comemoraremos os cento e vinte anos do nascimento de Anita Malfatti(foto acima), considerada por muitos como a protomartir do modernismo brasileiro. A bem da verdade, Malfatti foi, usando uma linguagem mais atual, a primeira que deu a "cara para bater", expondo em 1917 em São Paulo, pinturas e desenhos que surpreenderam alguns, chocaram outros e agradaram a muito poucos. Saliente-se que à época, a elite paulistana estava por demais aferrolhada ao academismo europeu, e não conseguia entender ou aceitar, algo que não pertencesse a essa linha. A carga de aprendizado e vivência com a arte de vanguarda que Anita Malfatti absorveu na Alemanha e posteriormente nos EUA, lhe valeu isto sim, a verdadeira maternidade e o pioneirismo do modernismo brasileiro. Por mais que a pena marota de Monteiro Lobato, tenha sido quase que mortal para a pintora em seu artigo "A Propósito da Exposição Malfatti", não podemos negar a esta grande artista o seu devido lugar na história. Aliás, existe uma tradição que diz que a iniciativa do artigo de Monteiro Lobato partiu de um pedido do tio da artista, George Krug, que apesar de padrinho e apoiador das viagens e iniciativas de Malfatti, não suportava a "nova arte" apresentada pela sobrinha. Lobato, teoricamente, como também não morria de amores pelo dito "modernismo", aproveitou a oportunidade e atirou para todos os lados, pois os alvos eram muitos. Os únicos a apoiarem a artista, foram à época os futuros modernistas Mario de Andrade, que dedicou um poema à pintura "O Homem amarelo", exposta na ocasião, e Oswald de Andrade, que publicou um artigo em apoio a Malfatti, no dia seguinte ao do encerramento da mostra. A verdade, é que o ocorrido ofuscou muito do brilho que a artista merecia, fazendo inclusive com que Anita Malfatti se recolhesse e praticamente abandonasse aquela forma de pintar, executando na maioria das vezes trabalhos próximos do que poderíamos chamar de convencional. Participou posteriormente, com Di Cavalcanti, John Graz, Zina Aita e outros pintores, da Semana de Arte Moderna de 1922, com parte das obras da exposição de 1917 e também algumas obras que produzira após a fatídica exposição de 1917 mencionada, frutos de pesquisas na arte modernista, mas sem o mesmo ímpeto da fase inicial. Após a "Semana", em 1923, como bolsista do Pensionato Artístico do Estado de São Paulo, foi para a Europa e lá permaneceu por cinco anos, pintando e aperfeiçoando principalmente o desenho, desenvolvendo uma enorme destreza com a mão esquerda, uma vez que sua mão direita possuía uma má formação de nascença, que não lhe permitia ser usada, outro grande complexo que Anita carregou durante toda a sua vida. São muitas as fotos onde ela aparece encobrindo a mão direita com um lenço, algum objeto ou simplesmente deixando-a por trás do corpo. De qualquer forma este defeito, se assim poderíamos chamar, não a impediu de gerar obras maravilhosas ao longo de toda a sua carreira.


Após seu retorno do Velho Continente, Anita se dedicou ao ensino de pintura, que lhe garantiu parte do sustento, e à pintura principalmente das paisagens brasileiras onde as cenas de interior com seus habitantes e seus costumes e festas, tem lugar de destaque. A obra acima, "Carro de Boi", é um exemplo muito bom do trabalho dessa época. Interessante notar o toque modernista, onde os bois e o próprio condutor do carro, executados em tons de cinza, contrabalançam e contrastam com o casebre e a vegetação, executados em toques rápidos e precisos, numa paleta de ocres e verdes suaves, que nos fazem sentir o cheiro da mata e o odor da terra, além de ouvir o ranger das rodas do carro de boi no seu movimento lento e duro pelo caminho empoeirado. A obra de Anita Malfatti é poesia, soneto heróico composto à revelia, onde talvez sua grande algoz fosse ela mesma.
Sua produção foi intensa e enorme, pois, além das aulas, vivia de sua pintura, tendo participado também de inúmeras exposições, inclusive da Família Artística Paulista, I Bienal de São Paulo e da VII Bienal de São Paulo de 1963, na qual teve sala especial. O MASP apresentou uma retrospectiva sua em 1949, onde algumas das obras da exposição de 1917, a chamada fase expressionista, estavam presentes, juntamente com obras da fase européia da dec. 20 e paisagens, flores e retratos das décadas de 30 e 40.

Acabou seus dias vivendo entre o apartamento de São Paulo e a chácara de Diadema, a qual retratou algumas vezes, como na pintura mostrada acima, executada na maneira impressionista, em toques rápidos, muito precisos e com "impasto" generoso, traduzindo para a tela um realismo fantástico, de um sol que ilumina e cora, não só a pele mas a lembrança, de uma vegetação vasta cuja sombra acolhe, refresca e descansa, quem do pequeno solar como Anita, viu o céu se abrir e Deus proclamar: Vem artista, vem pintar, que hoje aqui em cima é dia de festa e dança!