segunda-feira, 20 de janeiro de 2014
Um Clóvis Graciano dos bons
A obra acima, de autoria de Clóvis Graciano, foi mais uma dessas descobertas que posso qualificar como emocionante. Estava por assim dizer "perdida" em um leilão no Rio de Janeiro, sendo o lote no. 1 do pregão. Não tive dúvida quanto à excelente oportunidade de adicionar ao acervo uma peça da melhor fase do artista, pertencente à série dos retirantes, de conteúdo social intenso e retratado com um expressionismo forte onde os gemidos de dor e sofrimento das figuras como que emanam e ressoam do plano da pintura. É desta fase um óleo sobre tela que, em tempos recentes, ultrapassou os R$ 150.000 no leilão da Bolsa de Arte do Rio de Janeiro.
Contribuiu para a menor concorrência no leilão o estado precário de conservação e a descrição como "Acrílico sobre cartão", técnica que Graciano talvez nunca tenha utilizado. Mas valeu o risco e o lance de certa forma ousado, que gerou o arremate, muito comemorado, do Graciano de certa forma outrora desprezado.
Recebida a obra, vimos que na verdade trata-se de uma técnica mista sobre cartão colado em chapa de madeira industrializada, assinado e datado de 1945. O cartão deve ter sido guardado dobrado por anos e depois colado em chapa na tentativa de compensar os vincos. Apenas uma pequena parte do pigmento, que aparenta ser a óleo, se desprendeu, permitindo a contemplação da pintura em sua plenitude.
Existem pinturas famosas de Graciano desta mesma fase em alguns museus brasileiros, como a reproduzida abaixo, "Mulher ajoelhada" que pertence ao acervo do MAB FAAP, datada de 1944. A semelhança de técnica e execução é impressionante e só referencia o achado.
Clóvis Graciano nasceu no ano de 1907 em Araras, cidade do interior do estado de São Paulo, e começou sua vida artística pintando placas e tabuletas para a Estrada de Ferro Sorocabana. Em 1934 transferiu-se para São Paulo onde realiza estudos com Waldemar da Costa. Fez parte do Grupo Santa Helena e da Família Artística Paulista. Foi pintor, desenhista, gravador, ilustrador, figurinista, cenografista e principalmente muralista. Só na cidade de São Paulo se contam 120 murais de sua autoria. Foi adido cultural em Paris e diretor da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Sempre fiel ao figurativismo, deixou uma obra na qual as questões sociais são sempre abordadas de forma incisiva (talvez influência do amigo e mestre Portinari), com uma técnica impecável e um estilo cuja evolução deixou um fio condutor em cada uma de suas pinturas ou desenhos, onde os retirantes, flautistas e dançarinos, alguns de seus temas prediletos, transmitem ao observador uma visão madura mas algo lúdica das realidades cotidianas brasileiras, vividas intensamente por este que foi, sem sombra de dúvida, um dos maiores artistas do modernismo brasileiro.
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