Difícil escrever sobre Pancetti. A começar pelo título do texto, afinal, já foram tantos: O Pintor Marinheiro, O Marinheiro Só, Marinheiro Pintor e Poeta e muitos outros. Pancetti possui hoje uma extensa bibliografia, com textos críticos e biográficos escritos por gente do mais alto quilate, como o Prof. José Roberto Teixeira Leite, Max Perlingeiro, Denise Mattar e outras estrelas de primeira grandeza.
Mas, sempre pulsou no coração e na mente deste neófito que vos escreve, recém chegado às praias "pancettianas", uma vontade muito grande de prestar neste espaço uma simples mas sincera homenagem a este grande marinhista brasileiro, filho de imigrantes italianos originários da Toscana e marinheiro de carreira chamado Giuseppe Gianinni Pancetti, ou simplesmente, como adotou logo cedo em sua vida, José Pancetti.
"Eu" Auto-retrato, desenho, Coleção Banerj Fonte: MHAERJ
Mas, escrever o quê? O que falar deste artista nascido em Campinas, no ano de 1902, e que amargou uma infância dura e juventude desregrada? Qualquer esforço biográfico cairá inevitavelmente no lugar comum. Tenho que me deter de alguma forma em seu trabalho como pintor, como artista de ponta do modernismo brasileiro. Trabalhos de doutorado recentes, no Brasil e no exterior, já traduziram inclusive e em detalhes as pinceladas vigorosas, muitas vezes carregadas de areia das praias, deste fenomenal artista, cuja obra é de suma importância e se situa no mais alto patamar de representatividade da arte moderna brasileira.
Resolvi então abordar, de forma extremamente resumida, uma parte da obra de Pancetti, que apesar de pouco extensa quando comparada ao total da obra produzida, não pode ser considerada menos importante, por ser a base de todo o seu trabalho: O desenho
Durante a década de 1940, quando começou a fazer certo sucesso em suas exposições, conquistando prêmios almejados por muitos, Pancetti tinha entre seus mais vorazes críticos, aqueles que debochavam dele pelo fato de não ter vindo da Academia, do ensino clássico da pintura. A bem da verdade, seu aprendizado foi basicamente auto-didata até 1933, ano em que se matricula no Núcleo Bernardelli, onde conviverá com artistas como Bruno Lechowsky e Milton Dacosta, recebendo deles conselhos e orientações, que muito contribuíram para sua evolução.
Ora, quando deparamos com a obra de um grande artista figurativo e mesmo paisagista, jamais conseguiremos separá-la do seu desenho. Documentos fotográficos como os mostrados abaixo, que mostram Pancetti trabalhando, retratam muitas vezes suas telas com a base de suas pinturas como sendo desenhos a "fusain", precisos e já com o formato final que teriam as pinturas, bastando apenas nelas aplicar a tinta. Muitas vezes o pigmento passou a ser mero detalhe. Abaixo temos um exemplo numa foto do artista executando uma marinha com figuras.
Fonte: Max Perlingeiro, Edidota Pinakotheke
Na imagem abaixo, que mostra Pancetti iniciando um de seus quadros da Lagoa de Abaeté na Bahia, percebe-se nitidamente no desenho base a posição definitiva das figuras, as sombras já indicadas e de certa forma percebe-se que a ação do sol e do clima quente do local já emanam genialmente da tela.
Fonte: Bolsa de Arte do Rio de Janeiro
Algumas obras em papel do artista, como a maternidade reproduzida abaixo, vão mostrar também uma mão firme, com execução em traços únicos e precisos, determinando limites, volumes, extensões e não poucas vezes, como citado acima, o clima da composição. Só consegue realizar uma obra com todos esses atributos aquele artista que atinge o patamar de mestre, que domina o ofício como "bom artesão", como definiria Renoir, um dos maiores pintores impressionistas franceses, e título que devemos aplicar a Pancetti sem a menor sombra de dúvida.
Maternidade, Coleção Particular Fonte: Bolsa de Arte do Rio de Janeiro
Pancetti dominava o grafite, o crayon, a sanguínea e o lápis de cor bem como o nanquim, a aquarela e a sépia. Alguns de seus desenhos são concisos, com poucos traços definindo a figura. A maior parte porém, é constituída por desenhos nos quais o artista mostrou a preocupação com o delineamento da figura ou paisagem, conferindo harmonia à composição, com todas os nuances de luz e sombra, zelando pelo posicionamento do motivo no suporte e pelas proporções. Os auto-retratos possuem o mesmo clima de seus óleos(vide imagem no início da postagem) e alguns retratos chegam a lembrar as figuras de mulatas feitas por Lasar Segall, tal a expressão conseguida por seus traços.
Outro ponto importante a se salientar em seus desenhos de figuras, é que Pancetti não possuía limitações para representar os modelos. Os desenhava em qualquer posição e com igual precisão. Com poucos traços a figura poderia estar sentada, deitada, de bruços, reclinada, lendo ou escrevendo. Tão fácil que poderia até parecer brincadeira, não levasse ele o ofício tão a sério.
Com o pouco exposto acima, podemos talvez concluir, o leitor julgue, que os críticos da época que questionaram a capacidade do artista Pancetti, o conheciam pouco. Como a verdade histórica, cedo ou tarde sempre prevalece, as cotações das obras do artista atualmente mostram o reconhecimento pelo mercado da genialidade deste grande pintor e da importância de sua obra no contexto do modernismo brasileiro.
Os traços puros de Pancetti, apesar de bem menos conhecidos que suas marinhas, ainda vão impressionar, e muito, as gerações futuras.